“Às vezes, é preciso chorar, sim”, diz Donini, sobre missão difícil quando atuava na WEG
Esse texto é de autoria da jornalista Estela Benetti, publicado na sua coluna, no site do Diário Catarinense, no dia 8 de julho de 2023. O bate-papo com o empresário Vicente Donini aconteceu durante a 21ª ExpoGestão.
O empresário Vicente Donini, de Jaraguá do Sul, foi um dos palestrantes inspiradores da Expogestão 2023, realizada semana passada em Joinville. Hoje à frente da Vinícola Vivalti e da Santinvest, ele traz no currículo 30 anos como alto executivo da WEG, também foi presidente da Marisol e atua como conselheiro empresarial. Chamou a atenção na palestra ao revelar que chorou quando recebeu uma missão difícil na WEG.
Em entrevista exclusiva para a coluna, depois, Vicente Donini explicou que esse momento ocorreu quando foi convidado pelo então presidente da WEG, Eggon João da Silva, a assumir a unidade de Acionamentos, que estava com dificuldades. Ele Ingressou na empresa na fundação, em 1961. Saiu para presidir a Marisol em 1991 e, em 2008, passou a gestão dessa empresa para o filho Giuliano.
Hábil como gestor de pessoas, Donini fundou a Vinícola Vivalti, em São Joaquim, na Serra Catarinense, para seguir ocupado em algo que gosta. Decidido conitnuar trabalhando, ele diz que o importante na vida é a jornada e quem levamos juntos.
Leia a entrevista:
O senhor falou sobre trajetória e inspiração em palestra na Expogestão. Pode contar um pouco do que disse aos que assistiram a sua participação?
Os organizadores pediram que eu falasse um pouquinho sobre a jornada. E, na realidade, eu sempre considero o seguinte: a gente tem que ter um Norte, um objetivo aonde nós queremos chegar. E eu gosto de exemplificar assim: vamos imaginar que eu quisesse subir o Everest, chegar lá no topo e fincar uma bandeira. Seria um ato heroico, relevante. Mas quando eu chegasse lá em cima, eu me questionaria. “Grande coisa, agora tenho que descer tudo de novo”.
Então, chegar é importante, mas para mim o que conta na vida é a jornada. É o caminhar. E a gente não caminha só, a gente faz com pessoas. As pessoas que nos acolhem, que nos ajudam, que nos confortam, pessoas que nós eventualmente amparamos. E são as pessoas que constroem a nossa jornada. Ninguém caminha sozinho, ninguém basta a si mesmo.
Então eu considero que o sucesso passa necessariamente pelas escolhas que a gente faz, escolhas que envolvem pessoas. E há quem me pergunte assim: “Você é um cara eclético. Você dirigiu empresa fabricante de motores elétricos, de sistemas de automação, de moda e de vinhos. Como você pode navegar em tantos setores diferentes?” E eu respondo que não administro produtos, eu administro recursos.
E há somente dois tipos de recursos, o mais importante, as pessoas, os recursos humanos. E há o recurso material, ligado ao capital, ao dinheiro. E o dinheiro não leva desaforo pra casa, ou tratamos bem o capital ou o capital nos mata. Nós temos que nos apaixonar pelo negócio, não pelo produto.
O bom gestor tem que estar preparado para administrar qualquer tipo de negócio. É claro que ele precisa estar cercado de pessoas capazes, que entendam do produto. O produto é o veículo, o negócio é a viagem. Se você quer ser bem-sucedido nos negócios, você precisa gostar de gente e entender de gente.
Nesses negócios todos que o senhor dirigiu, qual foi o mais desafiador, o que lhe deu mais frio na barriga?
Cada um tem as suas próprias peculiaridades. Quando estava na WEG, atuei fortemente na área comercial, na área de marketing e, lá pelas tantas, fui convidado para ser o superintendente da WEG Motores que era a empresa mais representativa do grupo na época, representando 72% da receita.
E crescemos solidamente dois dígitos. E era assim uma luta de todos os dias vencer os objetivos, mas era gratificante porque os resultados apareciam. Depois eu fui convidado para dirigir a WEG Acionamentos, que gerava prejuízo, era o patinho feio do grupo.
O nosso presidente Eggon João da Silva acreditava profundamente na WEG Acionamentos, que hoje é a WEG Automação. Tinha uma paixão por essa empresa, quando falava dela os olhos dele brilhavam. Um dia, ele me liga, me chama para uma conversa e diz: “Vicente, eu tenho uma nova missão para você. Quero que você dirija a WEG Acionamentos”. E me deu uma semana para pensar.
Fui para casa, me tranquei no quarto e chorei copiosamente pensando na besteira que eu tinha feito para merecer tamanho castigo. E com o Eggon uma semana era questão de horas, não era um convite, era uma convocação. No dia seguinte, ele me ligou perguntando se eu tinha pensado no assunto. Ele me disse: “Ou você assume, ou eu fecho essa empresa. Ela tem um problema sério de vendas e você é o profissional dentro da WEG que mais sabe vender”.
Eu aceitei o desafio e fui fazer essa transformação. E ela foi um sucesso. O executivo que estava no cargo que eu fui ocupar até me perguntou: “Vicente, o que você entende de automação?” Respondi: não entendo de automação, mas entendo de gente. E procurei me cercar de pessoas capazes e administrar os recursos. Esse foi o meu papel, cuidar do produto.
Esse foi o meu maior desafio, promover as transformações que precisavam ser feitas. Nós não podemos trabalhar extemporaneamente. De nada adianta estarmos gastando as nossas energias para construir coisas no futuro se o nosso presente não garante que cheguemos lá. Não devemos estar totalmente antenados com o ontem porque ele já passou, no amanhã, porque ele ainda não aconteceu.
Nós temos que fazer a lição de casa de hoje, e fazê-la bem feita. O sucesso é construído a cada novo dia, no passo a passo. É claro que temos que ter um olhar no futuro, que é uma visão de ponto de chegada, um direcionamento. Mas o planejamento é relevante, assim como a execução.
De nada adianta termos ideias brilhantes se não transformarmos essas ideias em fatos concretos. A pessoa pode ser um poço de sabedoria, mas se ela não souber usar esse saber para construir riqueza não adianta. E também não adianta falar de demandas sociais, disso e daquilo, se não tiver geração de riqueza. Só com recurso é que a gente consegue atender as demandas sociais. Não se atende demandas sociais com historinha, com filosofia. É com dinheiro mesmo e com ações.
Um executivo importante como o senhor também se tranca no quarto e chora quando precisa tomar uma decisão difícil?
Claro. É necessário sim. Nós temos um corpo que precisa ser muito bem cuidado porque precisamos ter energia. Nós temos alma, temos sentimentos, e aí eu falo do lado espiritual, não necessariamente em religiosidade.
Porque só com sentimentos espirituais é que nós conseguimos entender, compreender, aceitar e reconhecer as pessoas. Nós temos que ter uma mente lúcida para tomar decisões concretas, mas elas têm que estar cercadas de certos cuidados com o corpo, com o espírito e com a mente.
Uma organização funciona se ela for piramidal. Hoje se fala muito sobre modelos holísticos, isto e aquilo, muitos conceitos lindos de morrer, mas que não funcionam, não se sustentam efetivamente. Os que se sustentam são os modelos piramidais, que nos indicam que lá no topo tem uma cadeira só. Quando a gente está nesse caminhar, nós temos nossos pares, porque ninguém basta a si mesmo, nós dependemos dos outros e nos ajudamos mutuamente.
Nós temos um superior para poder recorrer a ele. E estar lá no topo significa o que eu chamo de solidão do poder, porque você olha para cima e não tem mais ninguém, a não ser Deus. Você não tem ninguém ao seu lado. Tem um grupo de diretores que o apoiam, mas lateralmente você não tem ninguém. E você precisa tomar decisões. Por exemplo, uma empresa que nós conhecemos tem 40 mil funcionários. Imagine só a responsabilidade.
Muitos só veem o glamour, olha só o presidente, ele comanda isso e aquilo. Mas isso é uma missão, a responsabilidade dele é cuidar do dinheiro dos acionistas, ele tem que garantir a entrega porque existe um contrato a ser cumprido, e ele tem que cuidar dessa comunidade de 40 mil funcionários. E cada empresa que gera um colaborador direto, em uma cadeia produtiva, gera no mínimo mais dois indiretos.
E essas pessoas têm família, então, nós estamos falando de uma comunidade de, talvez, mais de 180 mil pessoas. E isso é responsabilidade social, são pessoas que têm as suas demandas, têm as suas necessidades, confiam e se entregam a esse projeto, e o cara que está lá em cima não pode falhar na sua missão.
Essa é a responsabilidade de estar nessa posição. E em que pese todo o glamour, todos os holofotes que apontam para lá, é uma solidão que precisa ser administrada. E às vezes é preciso chorar sim, porque senão o sujeito não tem alma, não tem sentimentos.
O que faz a WEG Acionamentos?
Hoje se chama WEG Automação. Ela é a integradora de todos os sistemas da WEG. Se você vai montar uma fábrica, você começa com uma subestação, com os equipamentos, com o sistema de transporte. Numa subestação, por exemplo, você tem transformadores, tem chave seccionadora, tem que ter postes, cabos, precisa ter um centro de controle disso tudo, tem que ter computadores gerenciando essa subestação. E todos esses equipamentos têm que ser integrados. E a WEG Automação oferece ao mercado uma série de produtos que formam esse conjunto de sistemas. Hoje ela é 4.0 e é uma empresa muito forte dentro da WEG.
Quando o senhor começou na WEG?
Eu entrei no dia da fundação, no dia 30 de junho de 1961. Eu trabalhava meio expediente, até o final de 1962. E, a partir de 1963, comecei a trabalhar em tempo integral. E trabalhei até 1991. Sempre na WEG Motores, até chegar ao cargo de superintendente. E os meus últimos seis anos eu trabalhei na WEG Acionamentos, também como superintendente.
Fui lá não para salvar a empresa, mas para fazer o meu trabalho. Fui para resolver um problema que ela tinha. Sob orientação do antigo superintendente, ela estava envolvida em projetos grandiosos, que miravam um futuro brilhante. Mas ela precisava sobreviver para chegar até aquele futuro, porque ela precisava pagar as contas, os boletos entravam todo dia.
Ou ela gerava receita, ou ela tinha que avançar no cofre da vizinha. Então, o meu trabalho lá foi gerar receita e fazer o que precisava ser feito. Cumpri a minha missão. E como eu falei anteriormente, perene têm que ser as empresas, não a gente. Chega um determinado momento em que a gente precisa ter a humildade de sair, desocupar o espaço para um jovem talentoso, bem formado e bem informado.
A WEG Acionamentos tinha 300 pessoas, e mais ou menos 160 eram engenheiros, técnicos ou especialistas. E eu era um autodidata. Fiquei 30 anos na WEG. Então chegou o momento de ir embora e deixar um jovem mais talentoso assumir a posição, porque se a gente não desocupa o espaço os melhores vão embora. Precisamos criar as condições para isso.
A mesma coisa aconteceu na Marisol com o senhor?
Precisava ver a reação da minha mulher quando eu deixei a presidência da Marisol. Ela sabia que isso iria acontecer, isso foi anunciado com cinco anos de antecedência. Elia dizia: “Vicente, você tem toda a energia, você está conduzindo bem, vai deixar de fazer a coisa que gosta”. Ela estava preocupada, porque o nosso filho, o Giuliano, era ainda bem jovem, tinha uns 32 anos. E eu disse que não iria parar, que iria continuar a fazer a viagem, só que eu não precisava mais estar com a mão na boleia. Alguém pode dirigir para mim.
E aí o senhor decidiu investir numa vinícola em São Joaquim?
Nessa empresa (vinícola Vivalti) eu me envolvo pessoalmente. A Vivalti está sendo premiada, os vinhos estão sendo bem aceitos, bem reconhecidos. E isso é muito bacana. Tem muita gente indo lá pra cima, em São Joaquim, para visitar e conhecer a nossa vinícola. Todos os dias, sete dias da semana, tem gente lá visitando. E não é só de Santa Catarina, mas gente de São Paulo, do Rio de Janeiro, da Bahia, de Minas Gerais e do Paraná.
Estela Benetti
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Publicado no site do Diário Catarinense 08/07/2023