
O Japão enfrenta uma crise de sucessão sem precedentes, resultado direto do envelhecimento acelerado da população e da falta de interesse dos herdeiros em assumir os negócios familiares. Diante desse cenário, muitos empreendedores estão recorrendo a uma alternativa antes considerada tabu: vender suas empresas para fundos de private equity.
A decisão reflete não apenas uma mudança cultural no ambiente corporativo japonês, mas também uma necessidade prática diante dos altos impostos sobre herança, que podem chegar a 55%, e da dificuldade de manter a continuidade das operações.
De acordo com a Bain & Co., o mercado de private equity japonês movimenta mais de 3 trilhões de ienes (cerca de US$ 20 bilhões) por ano, e o volume de transações cresce mais de 30% anualmente. Essa expansão é alimentada por uma onda de empresas familiares à venda, impulsionadas pelos desafios de sucessão e pela pressão tributária. Segundo o Fórum Econômico Mundial, até 2025 cerca de 1,27 milhão de proprietários de pequenas e médias empresas com 70 anos ou mais não terão sucessores, o equivalente a um terço das companhias japonesas. Mais de 90% dessas empresas são de propriedade familiar, e 65% das negociações de compra no país já estão relacionadas à sucessão empresarial.
Há uma década, vender uma empresa para investidores, especialmente estrangeiros, era quase impensável. No entanto, o cenário mudou. A experiência bem-sucedida de fundos globais como KKR, Carlyle e Bain Capital ajudou a quebrar tabus e a gerar confiança no setor. Um exemplo emblemático foi a compra de 80% da Panasonic pela KKR em 2013, transformando-a em PHC Holdings, que abriu capital em 2021. Esses casos demonstraram que o private equity pode revitalizar empresas sem comprometer sua cultura, levando muitos empresários a enxergar a venda como uma alternativa viável de continuidade.
Essa transformação cultural também tem atraído fundadores mais jovens, que enfrentam novas dificuldades de gestão e recrutamento. A escassez de mão de obra qualificada e a falta de executivos experientes são reflexos da chamada “Era do Gelo do Emprego”, período entre os anos 1990 e 2000 em que o Japão viveu uma forte recessão, reduzindo o número de profissionais de meio de carreira disponíveis. Esse vácuo geracional deixou as pequenas e médias empresas sem sucessores e com poucos gestores preparados para garantir a sustentabilidade dos negócios.
Além dos fatores demográficos e culturais, as reformas implementadas pelo governo japonês desde 2015 criaram um ambiente mais favorável ao private equity. Entre as medidas estão a exigência de diretores externos, maior transparência corporativa e incentivos para melhorar o retorno sobre o patrimônio. Paralelamente, conglomerados japoneses têm se desmembrado para liberar capital e atender à pressão de investidores ativistas, que cobram mais eficiência e foco nos resultados. Essas mudanças regulatórias fortaleceram o mercado e abriram novas oportunidades de investimento.
Os fatores macroeconômicos também têm um papel importante nesse movimento. A desvalorização do iene torna os ativos japoneses mais acessíveis para investidores estrangeiros, especialmente os que detêm capital em dólar. Além disso, as taxas de juros continuam baixas, estimulando a entrada de novos fundos e a expansão das operações de private equity no país. Assim, o Japão vive um momento de intensa atividade financeira, uma era de oportunidades que nasce de uma crise de sucessão e se transforma em um novo capítulo para as empresas familiares e o investimento global.
FONTE: Portal CNBC